O Peso das Palavras em Psicanálise - Parte 4
- Gildeisa P. SIlva
- 28 de mar.
- 4 min de leitura
Atualizado: 7 de abr.
“Não dirigir o reparo para algo específico e em manter a mesma atenção uniformemente suspensa em face de tudo que se escuta [...] Ver-se-á que a regra de prestar igual reparo a tudo constitui a contrapartida necessária da exigência feita ao paciente, de que comunique tudo o que lhe ocorra, sem crítica ou seleção.” (FREUD, 1911, p.125-26).
PARTE 4
É importante ressaltar que Freud (1912), no texto Recomendação aos Médicos que Exercem a Psicanálise, introduziu a noção de uma escuta que não privilegiava nem um nem outro conteúdo. É a atenção flutuante. Que consiste em simplesmente: (citação acima menscionada)
Pensar a palavra é também pensar o corpo que gera a palavra, e que se faz presente na clínica, isso é observado no fragmento de caso, onde Lacan faz o gesto na pele da paciente, geste à peau. Paciente Suzanne Hommel que havia passado pelos horrores da guerra, conta, no documentário de Gerard Miller intitulado Encontro com Lacan, que ao relatar um sonho em que acorda às cinco horas da manhã, o articula com o fato de ser esse o mesmo horário que a Gestapo ia procurar os judeus em suas casas, Suzanne faz associação entre um sonho e uma lembrança infantil relativa à Gestapo. Nesse momento, diz ela, “Lacan se levantou como uma flecha de sua poltrona, veio na minha direção e me fez um carinho muito doce no rosto”. O gesto de Lacan, que pode ser traduzido por gest à peau (Um carinho na pele) é um exemplo de como o analista pode operar pela via do real, em ato, que deixará ao analisante a tarefa de interpretar, elaborar e integrar à sua rede de significações. Quarenta anos depois, de acordo com essa paciente, sua dor não diminuiu, mas ela ainda possui esse gesto de Lacan no rosto.
Dessa forma, uma palavra pesada, gestapo, que a paciente vinha trabalhando nas sessões, o significado e a representação, ela, que vivenciou uma situação traumática no período da guerra, em dada sessão, Lacan faz um gesto com suavidade no rosto da paciente, que num depois auxiliou a paciente a transpor, a trans(formar), a resignificar e elaborar um trauma vivido na infância. Alguns nós só podem ser desatados, falando.
Freud (1856-1939) nos aponta que a linguagem, antes do verbal, também se manifesta por gestos, sintomas, lapsos, atos falhos ou mesmo sinais corporais. Em um processo de análise, várias formas da chamada comunicação não- verbal poderão surgir tais como gestual e corporal.
Outro exemplo para ilustrar o efeito da potência da palavra está no diálogo descrito por Freud (1856-1939) em seu texto Três ensaios sobre a teoria da sexualidade, “titia, fale comigo; tenho medo, porque está muito escuro. A tia exclamou: de que adianta? Você não está me vendo. Ao que o menino respondeu: Não importa, quando alguém fala, fica claro.” Essa passagem fica claro que a palavra pode significar segurança, textura, sonoridade, imagem e com memória. Nesse caso, é o uso da palavra que acalma e acolhe.
É complexo pensar no peso das palavras, ou na leveza das mesmas. É possível pensar no peso das palavras em psicanálise mediada pelo analista, pontuando, cortando e por vezes auxiliando o mesmo a interpretar a sua própria história, que é singular. O bonito disso é que não há um dicionário que dê conta de traduzir a palavra de modo geral, pois a mesma palavra pode significar coisas diferentes para cada sujeito. Na cultura ocidental fica mais fácil pensar nesse contexto, pois uma mesma palavra pode significar várias coisas, como por exemplo, a palavra cobra, pode ter vários sentidos, ela pode ser animal, pode ser uma expressão da maneira como o sujeito se vê diante da vida, uma pessoa esperta, uma serpente, uma pessoa malvada, enfim, a palavra pode ser geral e singular ao mesmo tempo. Para cada sujeito a palavra terá um saber e um sabor.
O peso das palavras em psicanálise é muito amplo, posso pensar no peso do analisando narrador que se engasga na palavra porque ela é pesada para ser dita, posso pensar também em peso pena, com a leveza que os poetas falam através do poema, textos densos que se tornam leves, Freud já nos dizia que os poetas antecederam a psicanálise. A Poesia não é rigorosa com as palavras, num sentido de seguir formalidades, a poesia é livre como na análise a associação é livre, não tem normas ou protocolos, não tem obrigatoriedade de fazer sentido, mas fazer sentir, a poesia nos toca. A logica do entendimento é a logica da resistência, a lógica do eu, isso é muito próximo de um efeito de análise, ao fazer uma intervenção e o paciente diz, como assim? De forma assombrosa, ele quer um entendimento sobre aquilo, quando na verdade é justamente a possibilidade de não entender, é ali que reside a potência subversiva de uma análise. Tem algo da poesia, que não passa pelo entendimento.
Ao ouvir a narrativa do paciente, a escuta do analista, tem que ser poética, o analisando precisa dos ouvidos do analista para se escutar, para que em algum momento o sujeito possa ser alcançando. Assim o analista tona-se meio, meio para uma transmissão de afetos, meio para um dizer, o que em muitos momentos é inaudível, um dizer que ultrapassa fronteiras. E assim usamos as palavras, essas mesmas que já estavam antes de nós, assim como os afetos, mas por alguma razão algumas delas nos marcam na pele, faz carne, faz corpo, faz osso, a potência da palavra pode fazer isto.
Partindo desse pressuposto, é possível pensar na possibilidade do sujeito (se)curar de seus sintomas, como a se esvair dos excessos. A psicanálise é a clínica do singular, é no caso a caso que observamos como os pacientes lidam com os sintomas, o paciente pode se curar não no sentido de cura como é o conceito para a medicina, remoção dos sintomas, mas, com o sujeito aprende a (com)viver melhor com os sintomas. O sujeito muitas vezes, existe nos sintomas.
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